top of page
Buscar

Manifesto Meeting Lisboa 2025

Atualizado: 17 de set.

DIZ-ME O QUE DESEJAS, DIR-TE-EI QUEM ÉS


Quando amanhece, estou sentado na cama, abraçado aos joelhos e, por não ter mais nada que fazer, tento conhecer-me a mim próprio. «Conhece-te a ti próprio» é um conselho útil e maravilhoso, só é pena os antigos não terem dado as instruções para o seguir. Quando, outrora, eu tinha vontade de compreender alguém ou a mim próprio, tomava em linha de conta, primeiramente, não os procedimentos convencionais, mas os desejos. Diz-me o que desejas, dir-te-ei quem és. [1]


Será verdade que, como diz a personagem de Tchékhov, para nos compreendermos a nós próprios e aos outros, devemos ter em conta os desejos?


Na vida de todos os dias, entretemo-nos com a satisfação frenética de desejos imediatos – se queres, faz! Ou então tentamos ignorar os desejos e não pensar nisso – para não sofrer, para não arriscar, para os tentar controlar. De onde vêm todos estes desejos que nos constituem?


Na busca de satisfação do desejo de felicidade, ela nunca acontece totalmente – como se a formulação com que o desejo se apresenta, que inicialmente até parece adequado, acaba por se revelar inadequado: “não era bem isto que eu queria”.


É como se o desejo tivesse uma fonte escondida e misteriosa que não se consegue fechar e que, por isso, nos determina, mas à qual as nossas decisões e ações – e as dos outros - só conseguem corresponder pontual e parcialmente. Parece que, uma vez que isto acontece em nós, deveríamos conseguir alcançar a nossa felicidade. Mas não conseguimos! Há, portanto, que reconhecer que o nosso desejo insaciável de felicidade não foi desenhado por nós.


Voltemos a Tchékhov:


Então, agora, estou a analisar-me: o que quero eu? Quero que as nossas mulheres, filhos, amigos e alunos gostem em nós do que temos de simples seres humanos, não do nome, empresa ou etiqueta. Que mais? Gostaria de deixar discípulos e herdeiros. Mais? Gostaria de acordar daqui a cem anos, digamos, e ver, mesmo de raspão, o que será a ciência. Gostaria de viver mais dez anos ... E depois? [2]


Esta pergunta encontra em Bento XVI uma ajuda fundamental: O que pode realmente saciar o desejo do homem? […] O homem é indagador do Absoluto, um indagador que dá passos pequenos e incertos. E contudo, já a experiência do desejo, do «coração inquieto» como lhe chamava santo Agostinho, é bastante significativa.[…] [3].


O que é, então, esse desejo fundamental que nos constitui? Será possível descobrir e saciar plenamente o que desejamos, na busca de dias felizes? Será possível viver à altura do nosso desejo, na relação com os outros, com o trabalho, com a educação dos mais novos e no cuidado dos mais velhos? Na construção de uma sociedade mais justa e responsável? Vale a pena desejar sempre mais?


“Louvo-te, Daniel, porque és o homem dos desejos [vir desideriorum]”, diz Deus ao profeta Daniel [4]. É a exaltação do que há de mais humano, isto é, o desejo. Não há um só desejo que não deva encontrar resposta [5].


Então, será verdade que para nos compreendermos a nós próprios e aos outros, devemos ter em conta os desejos?


Don Giussani afirma que [a] identidade do indivíduo é dada pelo que chamámos coração (...), ou seja, a exigência de felicidade, a exigência de justiça, a exigência de verdade, exigência de bondade, a necessidade de beleza. [6]


Queremos, por isso, na 10ª edição, do Meeting Lisboa, com o título Diz-me o que desejas, dir-te-ei quem és, aprofundar estas questões decisivas.


Anton Tchékhov — “Uma história enfadonha” in Contos, vol II. (Tradução de Nina Guerra e Filipe Guerra). Lisboa: Relógio D’Água, 2001, pp. 70-71

[2] Ibidem, pp. 70-71.

[3] Papa Bento XVI, Audiência Geral, 7 de novembro de 2012.

[4] Dn 9,23; 10,11

[5] Giussani, Luigi. Affezione e dimora. I libri dello spirito cristiano: Quasi Tischreden, 5. Milano: Biblioteca Universale Rizzoli, 2001. (p. 156)

[6] Giussani, Luigi. L’attrattiva Gesù. I libri dello spirito cristiano: Quasi Tischreden, 3. Milano: Biblioteca Universale Rizzoli, 1999. (p. 40) (tradução não oficial)

 
 
 

Comentários


bottom of page